sábado, 26 de maio de 2012

Vigésimo primeiro quadro de quarenta - SANTO ANTÃO - O PAI DE TODOS OS MONGES

Santo Antão - o “pai de todos os monges” O primeiro deles, o monge João Maria d’Agostinho, era imigrante italiano e residiu em Sorocaba (SP), mudando-se em seguida para o Rio Grande do Sul, onde viveu entre os anos de 1844 e 1848 nas cidades de Candelária, no morro do Botucaraí, e Santa Maria, no Campestre. Introduziu nessa região o culto a Santo Antão, que é considerado o “pai de todos os monges”, cuja festa continua até os dias atuais, comemorada em 17 de janeiro. A região do Campestre passou a ser chamada, desde então, de Campestre de Santo Antão.

terça-feira, 22 de maio de 2012

UQE OS ANJOS DIGAM AMÉM para os próximos vinte quadros

Detalhes dos quadros LAGES e TERCEIRO MONGE

Detalhes dos últimos quadros

Vigésimo quadro de quarenta - MONGE JOSÉ MARIA (Terceiro Monge)

João Maria D’Agostini O primeiro deles, o monge João Maria d’Agostinho, era imigrante italiano e residiu em Sorocaba (SP), mudando-se em seguida para o Rio Grande do Sul, onde viveu entre os anos de 1844 e 1848 nas cidades de Candelária, no morro do Botucaraí, e Santa Maria, no Campestre. Introduziu nessa região o culto a Santo Antão, que é considerado o “pai de todos os monges”, cuja festa continua até os dias atuais, comemorada em 17 de janeiro. A região do Campestre passou a ser chamada, desde então, de Campestre de Santo Antão. Sua prisão foi decretada em 1848, pelo General Francisco José d’Andréa (Barão de Caçapava), mediante o temor de levantes e concentrações populares que começavam a ser comuns naquela região, ficando o monge foi proibido de voltar ao Rio Grande do Sul. Refugiou-se na Ilha do Arvoredo (SC), depois em Lapa (PR), na serra do Monge, e em Lages (SC), desaparecendo misteriosamente em seguida. Os historiadores defendem que o monge João Maria morreu em Sorocaba, em 1870. Mas em Santa Catarina há histórias que ele morreu no Morro do Taió, município de Santa Terezinha. Contam pessoas da região que João Maria dizia ser o Morro do Taió um lugar santo, o próprio paraíso, e que lá não seria necessário trabalhar, e lá gostaria de morrer.

Décimo nono quadro de quarenta - Monumento em Lages (SC) - Refúgio do Primeiro Monge

João Maria D’Agostini O primeiro deles, o monge João Maria d’Agostinho, era imigrante italiano e residiu em Sorocaba (SP), mudando-se em seguida para o Rio Grande do Sul, onde viveu entre os anos de 1844 e 1848 nas cidades de Candelária, no morro do Botucaraí, e Santa Maria, no Campestre. Introduziu nessa região o culto a Santo Antão, que é considerado o “pai de todos os monges”, cuja festa continua até os dias atuais, comemorada em 17 de janeiro. A região do Campestre passou a ser chamada, desde então, de Campestre de Santo Antão. Sua prisão foi decretada em 1848, pelo General Francisco José d’Andréa (Barão de Caçapava), mediante o temor de levantes e concentrações populares que começavam a ser comuns naquela região, ficando o monge foi proibido de voltar ao Rio Grande do Sul. Refugiou-se na Ilha do Arvoredo (SC), depois em Lapa (PR), na serra do Monge, e em Lages (SC), desaparecendo misteriosamente em seguida. Os historiadores defendem que o monge João Maria morreu em Sorocaba, em 1870. Mas em Santa Catarina há histórias que ele morreu no Morro do Taió, município de Santa Terezinha. Contam pessoas da região que João Maria dizia ser o Morro do Taió um lugar santo, o próprio paraíso, e que lá não seria necessário trabalhar, e lá gostaria de morrer.

Décimo oitavo quadro de quarenta - VIRGEM CONSTANTINA

Virgem Constantina Segundo Thomé (2004), o resultado do conflito foi 800 mil mortos, feridos e desertores entre os militares, legalistas e civis; e cerca de 5 mil a 8 mil revoltosos. A Guerra terminou com o acordo entre os estados de Santa Catarina e Paraná. “Com isso, os catarinenses assumiram de fato a administração das terras ao sul dos rios Negro e Iguaçu, nos vales dos rios Timbó, Timbozinho, Paciência e Canoinhas, e a oeste do rio do Peixe.” (THOMÉ, 2004, p.88) Revoltados com os governos federal e estadual, e apoiados pelos Monges - religiosos que peregrinavam pelo sertão pregando a palavra de Deus - os caboclos lutavam na esperança messiânica de um mundo melhor e de um reinado de paz e fraternidade, na expectativa de ressurreição do Monge José Maria. Assim, foram quatro anos de sangrenta violência. Nesse tempo, os jagunços se deslocavam de lugar para lugar, perdendo, assim, sua identidade: em outubro de 1912, acompanhados por José Maria, o povoado seguiu de Taquaruçu para Irani, a leste do Rio de Peixe; tempos depois, ameaçados pelas forcas militares, voltam para a agora cidade-santa de Taquaruçu; em 1914, os caboclos decidiram se retirar de Taquaruçu, em direção ao norte, em Caraguatá, na serra do Espigão. Mais tarde, liderados pela Virgem Maria Rosa, de apenas 13 anos, seguiram para Bom Sossego. Ao final, os caboclos se concentraram no Vale de Santa Maria, no coração da serra do Espigão, um local quase inexpugnável. 3. A história na ficção O papel da mulher na narrativa de Donaldo Schüller é fundamental para a história da Guerra do Contestado, ao contrário do que mostra a história oficial. No romance, encontramos várias espécies de personagens femininas: de Virgens a prostitutas; de meninas a mulheres; de caboclas a estrangeiras; de puritanas a selvagens; de guerreiras a submissas. Assim é o universo que povoa as terras contestadas, um lugar em que a questão de gênero vem demarcada também por diferenças entre classe, raça e etnia e que fica muito evidente em diversas personagens que são submetidas a diferentes tipos de poder. Para analisar a categoria gênero, acreditamos que, sendo esta uma categoria ontológica e histórica, ela está impressa no sistema de dominação-exploração e, para Saffioti (1987), o sistema de exploração-dominação está pautado no esquema gênero-classe-etnia, imprimindo uma direção de subordinação e opressão da mulher. O problema é que esses sistemas não correm paralelamente, “mas atuam conjuntamente, formando um só sistema de poder.” (SAFFIOTI, 1987, p.85) As mulheres do “Império Caboclo” são, em sua maioria, caboclas (mescla de índio + branco), negras e pobres. Descritas pelos homens, elas são vistas de duas maneiras: ou como objeto sexual, ou como virgem imaculada. Dentro dessa perspectiva, a mulher aparece sempre como um sujeito analfabeto, simples, sem cultura e cega pela religião. A única personagem que contrasta com esse perfil da cabocla catarinense é Christabel, uma americana rica, branca, culta e casada com um engenheiro que viera trabalhar na estrada de ferro. Dentro do “Império Caboclo”, percebe-se que a grande busca, na verdade, não é pela religião, através da crença na ressurreição de José Maria, mas sim pelo poder. E nessa briga entram os homens e as Virgens, as quais, dizendo ouvir a voz do líder morto, são as responsáveis, muitas vezes, por guiar o povo através dos vários redutos por que passam. Esse poder atribuído a elas, porém, é sempre conferido de perto pelos chefes homens. As relações de gênero na obra também são marcadas por hierarquias, obediências e desigualdades. Tudo isso devido à hegemonia masculina advinda de nossa formação social. Assim, o conceito de gênero nos ajuda a sistematizar essa problematização. Para Joan Scott, a categoria de gênero auxilia a elucidar as realidades históricas construídas, que no âmbito cultural, definem o que significa ser mulher e homem. O Gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição homem/mulher e fundamenta ao mesmo tempo seu sentido.[...]Desta forma, a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam-se, ambos, partes do sentido do próprio poder. Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema por inteiro. (SCOTT,1990.p.14). A autora completa seu pensamento, afirmando que “Gênero deve ser visto como elemento constitutivo das relações sociais, baseadas em diferenças percebidas entre os sexos, e como sendo um modo básico de significar relações de poder.” (SCOTT, 1990, p.15). Nessa linha, Faria e Nobre complementam a questão,indicando que o conceito de gênero [..] coloca claramente o ser mulher e o ser homem como uma construção social, a partir do que é estabelecido como feminino e masculino e dos papéis sociais destinados a cada um [...] Gênero é um conceito relacional, ou seja, que vê um em relação ao outro e considera que estas relações são de poder e hierarquia dos homens sobre as mulheres (FARIA; NOBRE, 1997, p. 29-30). Nessa sociedade “contestada”, o que se verifica é que permanece a idéia de que o espaço público, a guerra, pertence ao homem, e o espaço privado, a casa, pertence à mulher. Contrariando, ou pelo menos, tentando contrariar, essas expectativas, nossas personagens do “Império Caboclo” são apresentadas por um narrador masculino, que mostra a importância feminina nessa briga pelo poder, por seus direitos, por sua liberdade, seja através das figuras das Virgens Constantina e Maria Rosa, que querem a dominação do reduto, agindo como “homens” e como divindades ao mesmo tempo, porém, mostrando suas “fraquezas” de mulher, uma ao se apaixonar por um jagunço e perder a virgindade, e a outra, ao se tornar refém de um espelho, à mercê da vaidade; seja através da figura emancipada de Christabel que, a princípio, é uma “dondoca” mimada, submissa ao marido e, depois, passa a ser uma transgressora ao querer a floresta, os jagunços, a pele negra; seja a partir da figura de Mariquinhas, que se recusa a transar com Adeodato, porém, é obrigada à força, inclusive a ser mulher do tirano e a ser estuprada por outro jagunço a mando do marido, adotando, depois disso, um comportamento de loucura e frieza mortal que incomodava Adeodato; ou seja, ainda, através da figura da velha prostituta Beija-Flor e seu batalhão de mulheres guerreiras, “lindas, lindaças”, as baianas que viviam nos milharais e que eram a “perdição” dos homens, mas que ao mesmo tempo “lutavam como homens”. Essas e tantas outras mulheres transgressoras que aparecem no romance e que aqui não relataremos por falta de tempo e de espaço, constituem o universo da Guerra do Contestado, um local historicamente masculinizado, mas que guarda em sua floresta valiosos mistérios femininos. E, por falar em lugar, a questão do deslocamento na obra também deve ser ressaltada. No romance, o povo muda de lugar, de localização, pelo menos quatro vezes; o caminho seguido para fugir das forças militares é Irani – Taquaruçu - Caraguatá – Bom Sossego. Em cada um desses redutos, o povo tenta se fixar, mas não consegue criar raiz e, a cada ponto a que eles vão, são estrangeiros, não conseguem formar sua própria história de forma a ficarem fragmentados, excluídos e marginalizados perdendo, sobretudo, sua identidade. De acordo com Shohat (2002, p.108), “definições raciais, hierarquias étnicas, identidades de gênero e formas de pertencimento ligadas ao sexo são conjunturais e historicamente situadas, sempre se alterando, transmudando-se através de histórias e geografias.” 3.1 O abuso de poder O primeiro contato com o poder masculino no universo do “Império Caboclo” se dá a partir da “necessidade” dos jagunços de obter Virgens em seu reduto. Essas meninas representavam a pureza, a renovação, o fio condutor que levava o povo ao grande líder José Maria. O que vemos, porém, é uma série de estupros e ataques pedófilos dos grandes líderes dos caboclos. No próprio romance, uma personagem sem nome é uma das únicas que têm essa consciência, já que o resto, cego por suas crenças, chegava a oferecer as filhas aos pedófilos: “Então é preciso agarrar-se num velho para virar santa? E não foi só com a Dorinha, não. O safado dormia com duas, na mesma noite e na mesma cama. E eram crianças... Esse é santo, Antônia?” (p.171) Após a morte de José Maria, seus seguidores faziam o mesmo e utilizavam-se do poder que tinham para possuir as mulheres que desejassem, fossem elas virgens ou não, tudo em nome da crença em José Maria. Algumas se submeteram passivamente; porém, outras, mostraram sua rebeldia e lutaram contra a violência por elas sofrida. Dentre essas mulheres corajosas, podemos citar Mariquinhas. Adeodato, o então líder, apaixonado por ela, manda matar o marido da moça para que ela ficasse com ele e, ainda, precisando se livrar de sua mulher, mata-a sufocada com um travesseiro. O jagunço, entretanto, extasiado pelo poder, comete as mais duras atrocidades com a mulher e com as Virgens pelas quais era responsável. Seu desejo sexual era saciado ao assistir os homens estuprando as meninas (dizia ao povo que eram os homens de José Maria, que tinham ressuscitado e que precisavam purificar as Virgens). Assim, a violência se dava constantemente sob o véu do suposto “milagre da purificação”. Também em outra situação, Adeodato bateu tanto na cabeça de uma menina de apenas cinco anos de idade que a matou; a mãe, chorando desesperada, também foi morta por ele, com pancadas na cabeça, junto ao corpo da filha; tudo isso é assistido pelos outros e ninguém faz nada. Outros casos de mulheres vítimas da violência dos homens são também citados na obra: é o caso de Sebastiana, mulata pela qual se apaixonou o jagunço Manuel, líder do reduto. O poder de Manuel também é responsável pela agressão à Virgem Constantina que, após ter mantido relações sexuais com Olivério, é descoberta pelo tirano. Cheio de seu poder, e aclamado pelo povo, Manuel dá uma surra de vara na moça até que ela perde a consciência e, quando volta a si está amarrada junto a uma árvore, sangrando muito. A situação de submissão e de crença cega é tamanha que o povo aceita passivamente a situação, e Constantina sente prazer nisso; ela sentia-se purificada com a dor; como crente que era, sentia-se como se estivesse atada junto ao corpo de José Maria. E como Manuel batia com a autoridade de quem quer “endireitar” alguém, a Virgem voltou a ser pura e o Império Caboclo tomou novamente seu rumo. Mas, é na figura de Maria Rosa que está a personagem mais bem trabalhada do romance. Maria Rosa atua como Virgem, como mãe, como mulher e como um carrasco a um só tempo. Respeitada e temida por todos, essa Virgem sempre aparecia em seu cavalo branco, empunhando uma espada e uma vara de marmelo em suas mãos. Batia violentamente nos homens, que se rendiam às suas vontades. Também sentia piedade das crianças e de inocentes doentes, e nela pairava a figura da Virgem Maria, acalmando seus filhos. Com tanta responsabilidade, Maria Rosa acabara se esquecendo de que era mulher; não via os jagunços como homens, e não deixava que a vissem como mulher. Até que um dia ganhou um espelho do capitão do Exército e passou a se ver como mulher, como desejada; a descoberta do corpo faz aflorar a sensualidade na Virgem, que recusa essa nova descoberta mediante o fato de ter o poder e de ser considerada uma divindade entre os homens, e é justamente essa divindade que anula a sua porção mulher. Finalmente, uma personagem que merece destaque na obra é Etelvina, a Virgem que conseguiu fugir da “Casa das Virgens”, a casa em que elas eram estupradas e ameaçadas com o chicote a todo instante por Adeodato. A fuga dessa personagem representa não só a liberdade coletiva, mas a esperança da mulher (de ontem e de hoje) em sua constante luta contra o poder que a oprime: Por se ver oprimida, Etelvina se descobre femininamente poderosa e explode. Mais do que morrer, importava-lhe viver com dignidade, ensaiando a revolução que é maior do que a social, a feminina. Mostra às prisioneiras como ela haver caminhos que levam à força adormecida à sombra de gestos suaves. Com a revolta encabeçada por Etelvina emerge a mulher do novo século, livre, enfim, do regime que por milênios lhe negou o poder. (p.232) 4 Considerações Finais O discurso de “Império Caboclo” é o de uma sociedade discriminada, deslocada e excluída. Terminamos o trabalho assombrados pelas inúmeras vozes das mulheres que ressoam no meio da floresta, reclamando seus direitos, sua liberdade, sua identidade e sua história. Os ecos da dor e da violência sofrida por essas mulheres caboclas ainda podem ser ouvidos em nossa sociedade, e o duro é acreditar que eles ainda soarão por um longo tempo. O que nos consola, porém, é que eles nunca silenciaram e que milhares de Etelvinas surgem, constantemente, em vários lugares do mundo na luta contra a opressão.

terça-feira, 15 de maio de 2012

EXPOSIÇÃO SOBRE O CONFLITO DO CONTESTADO

EM 15/05/2012 NA UNC-PORTO UNIÃO ORGANIZAMOS A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DO ANO. PARECE QUE TODO MUNDO ADOROU E A EXPOSIÇÃO VAI DIRETAMENTE PARA A UNC DE CANOINHAS. OLHA A NOSSA ESCOLA AÍ GENTE......

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Décimo sétimo quadro de quarenta - FANATISMO RELIGIOSO

FANATISMO RELIGIOSO Que Canudos e Contestado foram lutas camponesas, oposição armada à ordem estabelecida no campo, é fato já fora de dúvida. Escritores, a começar por Rui Facó e Dorian Jorge Freire, procuraram demonstrar revestir-se de caráter de luta de classe a rebelião de Canudos. Coube-me a revelação do Contestado como guerra camponesa do Brasil, com caráter de luta social, através de artigos e, finalmente, com um romance-tese: "Casa Verde". É que, até então, o episódio ou merecia breves referências dos historiadores, ou era mal interpretado ou apresentado como uma campanha militar contra "bandidos do sul" iludidos por "falsos monges" ( Herculano Teixeira d'Assunção, Dermeval Peixoto, Setembrino de Carvalho) e como história de "crimes e aberrações" (Aujor Ávila da Luz). Isto, embora fosse patente a exploração dos camponeses pobres pelos fazendeiros e companhias estrangeiras (Railway e Lumber Colonization) que se apropriavam das terras da região, favorecidos pelos governos. O próprio general Setembrino de Carvalho, "Comandante das Forças em Operações de Guerra", prometia lotes de terras aos rebeldes que se entregassem; e o pacifista capitão Matos Costa, compreendendo a causa intrínseca da revolta, concedia entrevistas a jornais, declarando que os "jagunços" eram oprimidos e esbulhados em seus direitos. Havia algo de notável que não fora devidamente analisado e interpretado nesses movimentos camponeses, justamente o que não tem sido muito bem entendido, confundindo estudiosos e sociólogos. Refiro-me ao fanatismo religioso, questão quase sempre abordada de modo vago e superficial. Por que o campesinato, para se sublevar, fê-lo sob a influência de ascetas, recebidos como missionários divinos? Que significava a monarquia almejada pelos camponeses? Antes se diga que o fanatismo religioso, no Brasil, tem sido relegado, e somente interessou ao folclore, à imprensa, à polícia, aos juizes e, especialmente, aos psiquiatras. Ignorou-o a História. Só é objeto de estudo quando se discute a responsabilidade penal no crime sob impulso fanático, em razão de idéias delirantes. É um tema em debate no Direito. O registro dos episódios de fanatismo religioso parece dever-se à curiosidade mais do que às ciências. É necessário considerar que há o fanatismo típico de figura delituosa, e esse é o de pai que mata os filhos para não vê-los desgraçados numa sociedade injusta que os fará perecer de fome; ou de sectários que flagelam o possesso até sobrevir a morte, para que o demônio lhe abandone o corpo. De qualquer modo, porém, esse fanatismo tem a mesma causa intrínseca, e é desesperado inconformismo, pois o ato é cometido para salvar inocentes, vítimas de um mundo de misérias, e livrar outrem das forças do mal. "Quando não se suporta a realidade, esta é separada do pensamento e é dessa maneira que se originam as idéias delirantes" (E.Bleuler, Tratado de Psiquiatria, pág. 37, versão espanhola). Não interessa situar, neste trabalho, guerras religiosas, suicídios coletivos, protestos de auto-eliminação, nem manifestações pacíficas de qualquer crença. O fanatismo religioso de que se reveste a luta camponesa é caracterizado por não se restringir a uma só pessoa, a uma família, ou a um pequeno grupo; tratando-se de um fenômeno coletivo, fenômeno político-social, tradução fantástica das reivindicações da massa. É a religião como pretexto à revolução. Decorrência da realidade social, é fruto do regime de servidão do homem do campo, forma de luta contra o poder dos latifundiários e de sua ideologia. Não é simples loucura ou psicose coletiva, mas complexo de idéias mal representadas devido ao atraso da mentalidade humana que corresponde ao atraso da economia feudal ou semifeudal, estagnada. A massa procura e aceita ilusões, a que dá valor real, desde que signifiquem ou pareçam significar a sua libertação do jugo senhorial. Monarquia para os camponeses de Canudos e do Contestado era o reinado de Deus, o paraíso terrestre, o fim do poder dos ricos, o nivelamento social, a antecipação do futuro. Na república viam a causa de todos os males. "O rebelado arremetia com a ordem constituída porque se afigurava iminente o reino de delícias prometido. Prenunciava-se a República - pecado mortal de um povo - heresia suprema indicadora do triunfo efêmero do Anti-Cristo." (Os Sertões, pág. 206). Uma vez que citei a obra de Euclides da Cunha, convém lembrar que apresentou Antônio Conselheiro como representante natural no meio em que nasceu, tendo afirmado que "os estigmas atávicos tiveram entre nós, favoráveis, as reações do meio, determinando psicologia especial". "O homem dos Sertões - pelo que esboçamos - mais que qualquer outro, está em função imediata da terra. É uma variável dependente do jogar dos elementos. Da consciência da fraqueza para os debelar, resulta, mais forte, este apelar constante para o maravilhoso, esta condição inferior de pupilo estúpido da divindade. Em paragens mais benéficas a necessidade de uma tutela natural não seria tão imperiosa. Ali, porém, as tendências pessoais como que se alcochetam às vicissitudes externas, e deste entrelaçamento resulta, copiando o contraste que o observamos e a exaltação impulsiva e a apatia enervadora da atividade, a indiferença fatalista pelo futuro e a exaltação religiosa". (Os Sertões, pag.143). É necessário dizer que o fanatismo religioso é decorrência da realidade social e que se constitui numa esdrúxula ideologia de combate à opressão semifeudal, concebida sem consciência dos próprios objetivos, sem consciência política. Aqui, ou alhures, a explosão se inicia com o íncubo, um místico quietista ou contemplativo - o asceta - que, logo após a iniciação, se torna eremita, o qual prega a resignação e a renúncia, vaticina desgraças, guerras, o fim do mundo, e o reino milenar de Jesus Cristo. Anacoretas do mato, Antônio Conselheiro, João Maria e José Maria, - os três monges -, foram recebidos como "salvadores", "enviados do céu", pela massa amorfa do campo, facilmente sugestionável e desejosa de libertar-se da vida de misérias. A penitência e a renúncia significam a preparação necessária para a luta; o falar em punição dos pecadores, recompensa aos sofrimentos, ou o Céu, era o simbolismo da condenação dos exploradores e dos desejos da implantação de uma sociedade igualitária. Quanto à personalidade anormal dos fanáticos é interessante anotar a opinião do Prof. J. Alves Garcia, em seu "Compêndio de Psiquiatria, pag.477: "Alguns se tornam pregoeiros da política, de idéias nacionalistas, são missionários incompreendidos. Não nos esqueçamos, porém, de que todos os criadores de idéias e de épocas históricas foram autênticos fanáticos, e que o êxito de qualquer empresa só é possível quando alguém luta por ela com zelo e obstinação". É no meio rural que se desenvolve e eclode, mas onde vigora o regime feudal ou das sesmarias e grandes propriedades; na Europa , durante a Idade Média; no Brasil, no fim do século XIX e limiar do século XX. Nos sertões pátrios a massa camponesa se encontrava em estado latente de revolta à espera de pretexto que a desencadeasse, mas vivia alheia à civilização, em condições precárias de vida , isolada dos centros do País, isolada do mundo, concebendo-o à maneira primitiva, mística, crendo com fé inabalável na fantasia e no imaginário que lhes pareciam úteis e reais. A economia estagnada, o jugo senhorial, a falta de emprego e mesmo falta de serviços para camaradas da fazenda imensa em que o boi nascia e engordava sem cuidados especiais, criava uma fração plebéia e semiplebéia no campo. O agregado não tinha profissão definida e nem residência fixa. Sem bens nem haveres, perambulava de estância a estância. Era elemento predominante na massa camponesa, ao lado de arrieiros - empregados no transporte de mercadorias, tropeiros, tarefeiros, - todos desocupados durante a maior parte do tempo. Os próprios habitantes das cidades, estacionárias, não tinham em que trabalhar, sempre na dependência dos coronéis e sua autoridade. Oliveira Viana (Populações Meridionais do Brasil, pàgs.97 a 100, vol. I) observa o agregado extraindo da terra aforada, quase sem nenhum trabalho, o bastante em caça, frutos e cereais para viver vida frugal e indolente, tomando-o como plebe rural, formada pelo ''transbordo das senzalas repletas, as recovas da escravaria, o sobejo da mestiçagem das fazendas". Sabe-se o que representam as fazendas: absorvem toda a vida econômica, social e política do campo; constituem um só organismo com os vilarejos à órbitas, desolados; monopolizam o comércio, a indústria rudimentar de elementos primários de subsistência; geram consideráveis contingentes de agregados, arrieiros, foreiros, tropeiros, e também vadios de estrada, homens de briga, caçadores, bandoleiros, capangas. Tais domínios eram um obstáculo natural a todo progresso; impediam o desenvolvimento da região, o surgimento de cidades, construção de estradas, etc.; e a formação de uma classe média. Joaquim Nabuco (O Abolicionismo, pàgs.144 e 145) via que, ainda na vigência da escravidão, o trabalhador livre "não tinha lugar na sociedade, sendo um nômade, um mendigo, e por isso em parte nenhuma achava a ocupação fixa". E, prosseguindo, diz: "Foi essa a população que se foi internando como ciganos, aderindo às terras das fazendas ou dos engenhos onde achava agasalho, formando-se em pequenos nichos nos interstícios das propriedades agrícolas, edificando as suas quatro paredes de barro onde se lhe dava permissão para fazê-lo, mediante condições de vassalagem que constituíram os moradores em servos de gleba." Em "Campanha do Contestado" (págs., 163 a 171), Herculano Teixeira d'Assunção dá um quadro do desenvolvimento da região conflagrada, interessado em saber dos "Recursos Militares da Zona Serrana". Informa que "o único meio de transporte no município de Curitibanos é o muar"; que "a vila de Curitibanos comunica-se com diversos centros habitados, por meio de cargueiros"; que ''não existe serviço sanitário em Curitibanos comunica-se e a população quando necessita de serviços clínicos socorre-se de curandeiros". No município havia "11.000 habitantes, dos quais, na vila, 150 eram homens". Esta possuía 120 casas, apenas duas de pedras e tijolos pertencentes uma a um coronel e a outra ao promotor público. Com uma ferraria, uma selaria e correaria, uma sapataria e uma alfaiataria, não tinha sequer uma padaria. E em todo o extenso município 46 fazendas de gado. Campos Novos , com 15.000 habitantes, tinha 500 na vila e 150 casas particulares; na Freguesia do Capinzal, 80; na do Erval 30; na da Limeira, 30. Contava com 3 ferrarias, 3 marcenarias, 3 selarias, um moinho de trigo, 3 curtumes, uma relojoaria, duas fábricas de águas gasosas, um engenho de serrar madeira, uma olaria, 5 sapatarias, e no vasto território - 300 fazendas de gado. Lages, mais afastada do teatro de operações, a 12 léguas de Curitibanos e a 24 de Campos Novos, possuía 10.000 habitantes na cidade. Tinha o dobro do gado existente em Curitibanos e produzia laticínios, artigos de couro e chifres; farinha, vinho, fumo, obras de olaria, lã e linho. Eram de economia idêntica aos demais municípios da região, tudo girando em torno da fazenda de criação, num ou noutro a serraria se avantajando na exploração do trabalho servil. Numa zona morta paralisada, o latifúndio como base de toda a vida social, é que o fanatismo religioso encontrou terreno fértil. Primeiro surgiram os ascetas que, libertos dos bens materiais e idéias a eles vinculadas (egoísmos, ambições), passaram a vagar tomados da mania ambulatória, vivendo de esmolas, e a pregar preceitos da moral cristã. Ascetas plebeus. E, em Canudos, explica Euclides da Cunha, os primeiros do séquito tinham a mesma origem social: "gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, farândola de vencidos da vida, vezada à mandria e à rapina". No Contestado, não era diferente. O reduto de Taquaruçu abrigava gente de briga, gente desocupada e muitos foragidos às cadeias. Referindo-se aos movimentos de 1.476 e 1.517, precursores da Grande Guerra Camponesa, diz Engels: "Nesse primeiro precursor do movimento encontramos o mesmo ascetismo que caracteriza todas as insurreições medievais, de tipo religioso, o que também, em tempos recentes, tem caracterizado o começo de todo o movimento proletário. Esta austeridade ascética, este postulado de renúncia a todos os prazeres e diversões, estabelece, ante as classes dominantes, o princípio da igualdade espartana e constitui uma etapa de transição necessária, sem a qual a camada inferior da sociedade, para se constituir como classe, essa camada inferior deve começar por desfazer-se de tudo que possa reconciliá-la com a ordem estabelecida e renunciar aos poucos prazeres que lhe tornam ainda suportável a vida mísera e que nem a opressão mais dura lhe pudera arrebatar. Por sua forma fanática e violenta , assim como por seu conteúdo, esse ascetismo plebeu revolucionário se distingue fundamentalmente do ascetismo burguês, tal como o pregavam a moral burguesa luterana e os puritanos ingleses e que no fundo não é mais do que uma manifestação da parcimônia burguesa". E na mesma obra (As guerras Camponesas na Alemanha, trad. de B. A. Montenegro, 1946, págs. 40 e 41) expõe: "Os plebeus eram a única classe que então se achava à margem da sociedade existente. Achavam-se fora da comunidade feudal e da comunidade burguesa. Não tinham nada; nem direitos, em sua vida normal nem sequer entravam em contato com as instituições de um Estado que lhes ignorava até a existência. Eram um símbolo vivo na dissolução da sociedade Feudal e corporativa e ao mesmo tempo eram os primeiros precursores da moderna sociedade burguesa. Assim se explica que já então a fração plebéia não podia contentar-se a com o combate ao feudalismo e à burguesia privilegiada, mas tinha de ir, pelo menos em imaginação, além da própria sociedade burguesa apenas no nascedouro. Explica-se igualmente porque essa fração desprovida de bens teve de renegar idéias e conceitos comuns a todas as sociedades baseadas no antagonismo de classes. As fantasias quiliásticas do cristianismo primitivo ofereciam o ponto de referência oportuno." Conclui-se que o ascetismo que caracterizou as insurreições camponesas, de tipo religioso, na Europa, também caracterizou as insurreições brasileiras. Conclui-se também que a fração plebéia do campo ia, em imaginação, além das sociedades de classes antagônicas. Então se compreende o fanatismo religioso dos camponeses de Canudos e do Contestado, a pregação dos monges; a reprodução de fantasias anabatistas; os vaticínios de flagelos e desgraças; a anunciação do Juízo Final. Vê-se que, com características próprias, travaram-se no Brasil lutas camponesas pela supressão de um regime semifeudal, revestindo-se de formas de misticismo e insurreição armada, mas sem consciência de seus próprios objetivos. Episódios também como os de Pedra Bonita, no Pernambuco; dos Mucker, no Rio Grande do Sul; e de Santa Dica, em Goiás; assim devem ser interpretados. Num Brasil que emergia do jesuitismo, em que a política se explicava pela teologia, logo após a emancipação dos escravos - com a conservação do latifúndio, o fanatismo religioso se constituía, em conseqüência, numa autêntica arma ideológica. Sem negar a influência de fatores de ordem biológica, ou etnológica, mas afirmando a sua importância a par dos ecológicos, deve-se destacar a predominância do econômico, situando o fanatismo religioso como um fenômeno político-social que ocorre em sociedade com estrutura feudal ou semifeudal. É um esclarecimento necessário, especialmente para os que continuam a ver em Canudos e no Contestado um choque de raças, de civilizações, de culturas, ou um espontâneo surto de fanatismo religioso, este tido como loucura coletiva ou psicose epidêmica sem significação histórica.

Décimo sexto quadro de quarenta - A ASSINATURA DO ACORDO NO PALÁCIO DO CATETE

E DETALHES:
A ocupação do planalto serrano foi diferente da do litoral catarinense na sua composição de recursos humanos. As escarpas serranas, densamente cobertas pela Mata Atlântica, junto com os povos indígenas, representavam sérios obstáculos para o povoamento da região. A ocupação se deu através do comércio de gado entre o Rio Grande do Sul e São Paulo já no século XVIII, fazendo surgir os primeiros locais de pouso. A Revolução Farroupilha e Federalista também contribuíram para o aumento de contigente humano, que buscavam fugir dessas situações beligerantes. Em 1853 começa a disputa de limites entre Santa Catarina e Paraná, quando este último se desmembra de São Paulo e firma posse sobre o oeste catarinense. Com a constituição de 1891, é assegurada aos Estados o direito de decretar impostos sobre as exportações e mercadorias, como também indústrias e profissões, o que acirra ainda mais a questão dos limites, pois a região era rica em ervas. Em 1904 Santa Catarina tem ganho de causa perante o Supremo Tribunal Federal, mas o Paraná vai recorrer perdendo novamente em 1909 e 1910. Porém a discussão não finda por aqui, sendo resolvida em 1916 quando os governadores Felipe Schmidt (SC) e Afonso Camargo (PR), por intermédio do Presidente Wenceslau Bráz, assinam um acordo estabelecendo os limites atuais entre os dois estados. Vale lembrar que essa disputa não tinha muita relevância na população, pois o poder era sempre representado pelos coronéis, tanto fazia pertencer a Santa Catarina ou ao Paraná.

Início dos quadros: JOSÉ MARIA, SANTO ANTÃO e MONUMENTO

No sábado dia 12/05, entre pipocas, kisuco e bom-bom, muita alegria e muito trabalho no início de novos quadros. Três grupos de artistas trabalharam com entusiasmo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Alunos do Antonio Gonzaga em trabalho de produção artística

Quatro grupos em 05 de maio programaram as próximas telas. Entre pizzas e bombons o trabalho foi muito produtivo.

Atelier Improvisado

No dia 05/05, 11 artistas-mirins trabalharam com afinco no nosso atelier improvisado. O trabalho rendeu muito com as crianças aprendendo a desenhar oque quiserem por meio de quadriculamento.

Décimo quinto quadro de quarenta - São João Maria curando doentes

SÃO JOÃO MARIA BENZENDO DOENTES Para falar sobre a mensagem atual de João Maria, faz-se necessário um “olhar” e um “ouvir” atentos para o cotidiano dos descendentes do Contestado. A memória popular, e especialmente a dos mais velhos (Tompson, 1998), revela uma história rica e viva sobre o Contestado. Segundo Halbwachs (1990, p. 51), “preservar a memória é condição da identidade e da unidade de um grupo humano. E, na sua exclusão está a base da alienação”. Ao observar as “ramificações” da mística e da mensagem de João Maria na atualidade, pode-se perceber que, cada vez mais, ela abrange praticamente todas as dimensões da vida: a religião, a moral, a ética, a política, a economia, a ecologia, entre outras. Ao confrontar as “duas” mensagens de João Maria, a original e a atual, é possível afirmar que, com o passar dos anos, elas foram passando por um processo de ressignificação e, dessa forma, continuam sendo uma referência significativa para a comunidade cabocla do Contestado. João Maria é uma das referências centrais desse processo de ressignificação da mítica do Contestado. João Maria foi interpretado, inicialmente, como homem pacífico, conselheiro, benzedor, alguém que dava sermões nas igrejas e se parecia com um frei ou um padre católico, um monge ou alguém que procurava se afastar do mundo para estar com Deus; quando aconteceu a guerra, ele, mesmo “ausente” fisicamente, já era alguém a quem se atribuíam os comandos da guerra. Nesse período ele foi confundido com José Maria, que, além de fazer curas, instituiu os “doze pares de França” e partiu para a luta. Os redutos ou as “cidades santas” foram organizados segundo o seu comando. Era ele quem mobilizava muitos na 120 Gilberto Tomazi Último Andar, São Paulo, (14), 109-126, jun., 2006 defesa da lei de Deus, contra “os peludos”, a República, os coronéis e o capitalismo. E, depois de quase um século, João Maria é lembrado como um profeta ou um líder carismático (Weber, 1994) e, como um curandeiro, milagroso, benzedor, monge, peregrino, pai, paizinho, João de Deus ou João Maria de d’Agostini, de Jesus, Santo Agostinho ou simplesmente João Maria. É lembrado também como um apóstolo, um enviado de Deus, um santo, como alguém que não morreu, continua vivo, encantado. Celebrado como quem tinha e tem poderes sobrenaturais, que faz milagres, que intercede em prol dos mais pobres e sofredores. Além de uma identidade “divina” de João Maria, fala-se de uma identidade profundamente humana e que em muito se equipara à dos caboclos do Contestado. Nisso ele é lembrado como um homem do bem, pessoa simples, humilde, de pouca fala, que sabe ouvir, que fala com poder e a todos convence, que não é homem de duas palavras, que se compadece dos que estão doentes ou sofrendo, que tem poder sobre maus espíritos, detesta a falsidade, o orgulho, o acúmulo de riquezas, é pacífico, busca o governo de Deus e não o dos homens, alerta para o fim do mundo e chama à conversão. É alguém que ensina aos demais aquilo que sabe sobre plantações, remédios, rezas ou religião, moralidade, ecologia, êxodo rural e problemas das grandes cidades, entre outros. Quanto à abrangênica da mensagem de João Maria, não é possível uma delimitação mais precisa, mas pode-se sugerir que, além de muitos locais de peregrinação espalhados por toda a região, há um centro irradiador situado no Morro do Taió. Um lugar encantado, porque o próprio João Maria estaria lá encantado. Antes, porém, de se retirar para o morro, ele deixou o seu poder para algumas pessoas. E, pelo fato de que “não morreu”, ele continua a exercê-lo e a oferecê-lo aos que o procuram e merecem recebê-lo. Hoje, muitos(as) benzedores(as), curandeiros(as), rezadores(as) dão continuidade à sua missão, colocando-se como seus(suas) “enviados(as)”. A mensagem de “São” João Maria 121 Último Andar, São Paulo, (14), 109-126, jun., 2006 A partir das histórias ou dos fatos contados pelos descendentes do Contestado (Tomazi, 2005), é possível verificar que João Maria anunciava tempos de fome, guerra e peste; dias de escuridão, o dia do combate definitivo entre o Anticristo e São Sebastião; o tempo do comunismo e da volta da monarquia, dos gafanhotos de aço, das distâncias que iriam se encurtar, entre outros. Porém, mais do que anunciar guerras e calamidades ou prever coisas futuras, percebe-se que as principais marcas deixadas por ele, junto à cultura popular do Contestado, relacionam- se à sua sabedoria e sensibilidade humana, que o faziam capaz de tocar fundo o coração humano. As palavras que ele dizia não eram esquecidas facilmente ou não foram esquecidas jamais. Seu trabalho gratuito e solidário fazia com que muitos conflitos, dores e problemas humanos fossem solucionados ou ao menos amenizados. Sua sabedoria não consistia em proferir muitas palavras e nem em apresentar os conhecimentos mais avançados da ciência da época; baseava-se, sim, numa espécie de “intuição-cheia-de-fé” (cf. Espin, 2000, passim) capaz de dar um sentido à vida e uma interpretação convincente em relação a certos mistérios ou a certas indagações que incomodavam os que o procuravam. Confirma-se hoje, tanto a partir da revisão bibliográfica quanto na cultura popular, que João Maria captou os anseios dos deserdados e transformou-se em porta-voz e intérprete das angústias dos caboclos e caboclas do Contestado (Gallo, 1999). Aos poucos, ele foi sendo recebido e divulgado como um homem de Deus. Ele foi sendo associado ao próprio Cristo e aos santos e, com isso, ainda hoje, continua a exercer grande influência entre os descendentes do Contestado. Suas constantes peregrinações de um lugar para outro, a renúncia aos bens materiais e certo rigorismo moral fazem dele símbolo de um poder que se coloca acima dos homens comuns e símbolo da identidade social positiva dos pobres, dando-lhes uma nova identidade, onde os excluídos se tornam os eleitos. 122 Gilberto Tomazi Último Andar, São Paulo, (14), 109-126, jun., 2006 Não se encontra na cultura popular, na atualidade, quem manifestasse uma rejeição explícita à mensagem ou à pessoa de João Maria, como outrora fizeram aqueles que não se sentiram promovidos ou legitimados pelos monges. Chegou-se inclusive a afirmar que João Maria era um lunático, uma pessoa rude e ignorante, e que, no Contestado, ao atribuírem os comandos da guerra a João Maria ou ao utilizarem símbolos religiosos no movimento, o que procuravam fazer era, na verdade, “encobrir” ou “mascarar” o banditismo ou a selvageria que praticavam (Machado, 2004). Na atualidade, em vez do desprezo à mensagem de João Maria e do Contestado, diversas iniciativas foram sendo fomentadas: por um lado, grupos econômicos a promovem com fins turísticos e lucrativos; por outro, muitas iniciativas populares, organizações e movimentos a resgatam no intuito de contribuir no processo de superação da violência e da exclusão em que se encontra a grande maioria dos descendentes do Contestado. Enfim, é possível constatar que há um rico universo simbólico em torno do qual vive o homem do Contestado. E esse universo inclui, além de uma linguagem de imaginação poética, uma variedade de ritos, mitos, artes e religião que tecem o emaranhado de sua experiência humana. Há uma verdadeira rede de símbolos e significados que, além de situar o homem do Contestado na história, oferece-lhe um sentido para a existência. Entre os muitos símbolos do Contestado destacam-se e são considerados de maior importância: as águas, as cruzes, os batismos, as orações e os benzimentos e as romarias.

Décimo quarto quadro de quarenta - Os Fanáticos

Do fanatismo ao banditismo A escolha de Adeodato Manoel Ramos ou também Joaquim José de Ramos, o Adeodato, ou ainda o Leodato, para assumir o comando-geral dos guerrilheiros fanáticos, desvia as razões da guerra para um eixo completamente modificado em comparação aos dias de Taquaruçu I. O misticismo e o espírito religioso dos tempos da vida real do monge já não são mais necessários à coesão da Irmandade, agora transformada em piquetes de bandoleiros que aterrorizam os campos, os matos e as serras do Planalto Norte. Um bom número de marginais infiltrado no movimento havia encontrado uma ocupação, um trabalho-quase-profissão, cujo pagamento era a manutenção própria e da respectiva família. A guerra alimentada pelo caráter de reforma religiosa, exigida pelos devotos dos monges, cede espaço a uma luta armada que, uma vez concluída, proporcionaria a cada guerrilheiro a desejada situação econômica e social. A destruição dos redutos, com a conseqüente dispersão dos combatentes, poderia trazer como resultado a volta à marginalidade anterior, o retorno à miséria, à falta de terras para cultivar ou à inexistência de meios para manter o guerrilheiro e seus familiares. A continuação das hostilidades contra as populações pacíficas e, principalmente, contra as tropas do governo, alimentava esperanças de resolução dos problemas que haviam lançado o caboclo na miséria, e o marginal, no crime. Nos redutos, o prestígio do chefe espiritual cede lugar exclusivo ao comandante-das-armas. O fanatismo religioso cede espaço ao banditismo de marginais, promovido também pelos vaqueanos civis, a serviço das tropas do governo.