segunda-feira, 9 de abril de 2012

Sétimo quadro de 40 - LENDA DA SUCURI





A lenda da cobra gigante



Há muitos anos atrás, em união da vitória, existia um campo de futebol

onde atualmente é a praça. Num dia, ao lado esquerdo da igreja católica

atual acontecia o primeiro cruzeiro, celebrado por um missionário. Ao

mesmo tempo, alguns homens disputavam uma partida de futebol. Neste

jogo ocorreu uma briga entre os jogadores e o missionário acabou sendo atingido por

um tiro. A partir daquele momento, revelou-se que união da vitória possuía um mistério.

Este acontecimento foi como um pressentimento.

O grande mistério é a cobra gigante que se posiciona debaixo da cidade. Dizem

que sua cabeça fica na antiga igreja, que se localizava, mais ou menos, 500m à frente

da igreja atual. Dizem que a cada sete anos ela tenta se mexer.

Há seis anos atrás, a igreja teve que passar por uma reforma, pois suas paredes

estavam trincadas. Acredita-se que o motivo foi porque ela tentou se mexer, mas Nossa

Senhora da Imaculada Conceição está com os pés sobre a sua cabeça. Se, porém, algum

dia ela conseguir sair de baixo da terra, a cidade se transformará numa lagoa, foi o que

também revelou e alertou o missionário.







Sucuri do iguaçu



AA lenda da sucuri é muito comentada pelos antigos de nossa cidade,

principalmente pelos pescadores que, muitas vezes, deixaram de descer

o rio iguaçu por medo da cobra gigante que corria o mato e as águas,

assustando pessoas e virando os barcos.

Conta-se, inclusive, que num certo ponto do rio, em determinado momento, a água começa a borbulhar e ferver de repente, sendo esse fato provocado, segundo o povo, pelo

acordar e sacolejar da sucuri gigante.

Dizem, ainda, que há pouco tempo dois valentes moradores conhecidos de nossa

cidade, em luta direta venceram a grande cobra. Nestas histórias muitos acreditam, outros

duvidam, mas todos sabem e comentam sobre elas.


Sexto quadro de 40 - CABOCLO





CABOCLO PARDO

O nome "Caboclo" na região do Contestado incluía vários tipos humanos como: o branco, o índio, o negro, o mameluco, o cafuso e o mulato. O resultado final das misturas de todas essas raças com suas próprias características, tornavam-se inconfundível onde que se apresentassem.

O caboclo era um cidadão do Planalto Catarinense, que trabalhava no campo, no sertão e na roça em troca de seu salário. Sertanejo, caipira, matuto e envergonhado. Face queimada pelo sol, mãos calejadas pelo trabalho. Adaptado com a caça e a pesca, nele corria o sangue do alegre, trabalhador e justo. Era corajoso, violento e instintivo. O caboclo aprendeu a "Coivana" – queima de roça, campo e mato para preparar a terra para a lavoura. Os primeiros civilizados incorporaram as próprias crenças, lendas, supertições, crendices, costumes e usos dos indígenas nativos como: artesanato, técnicas e práticas agrícolas. O sertanejo, o nosso caboclo pardo é uma extensão cultural dos primitivos senhores d

e terras.

A formação da população e suas origens forma os paulistas que tinham uma forte influência castelhana e não somente portuguesa, índia ou negra.

Surgiu o caipira paulista ou seja o mameluco que se atirou ao tropeirismo, bondeirismo, mineração e a aventura. Juntando-se aos gaúchos dos pampas. A cultura lusitana e a Castelhana se fez notar através das vilas, sedes e fazendas requintadas e diferenciadas das habitações dos agregados e pobres.

Os agregados eram homens juridicamente livres, mais subordinados a classe senhoril. Residiam em terras das fazendas, nas partes mais distantes das sedes, eram vigilantes, feitores, capatazes, capangos, compadres, formando uma clientela rudimentar dos donos das fazendas. Moravam com suas famílias em casas de madeira de ranchos, mantinham relações de compadresco com seus patrões. Não mais considerados dependentes diretos de seus senhores, tiveram sua mão-de-obra valorizada, passando de simples moradores a pequenos proprietários. O homem do Contestado era capaz de realizar várias atividades como: lavrador, criador, caçador, peão, agregado, senador, etc... seu mundo era a sua família, tinha hábitos como o cigarro de palha, o trago de cachaça, o uso de apelidos e a faca sempre na cintura, fala alto, é rápido e eficiente no agir. Era capaz de grandes amizades, mas também ódios. A sua ora moradia sendo simples e humilde a sua hospitalidade era generosa, onde nunca faltava café ou chimarrão.

O caboclo trabalhava muito e pouco se divertia, gostava de música. Místico e religioso era devoto a "São João Maria". Autêntico serrano com sua pele parda marcou presença no contestado.


Quinto quadro de 40 - O HOMEM DO CONTESTADO






O HOMEM DO CONTESTADO



A população típica formou a civilização do "Homem do Contestado". O sertão uniu brancos, negros e índios, em torno de causas comuns, liberdade e justiça social. A personalidade destas pessoas sempre se impôs no território e dividiu prioridades após a chegada dos imigrantes europeus.

Quarto quadro de 40 - AS CHEIAS E A LENDA DA COBRA





João Maria e as cheias de Porto União



Quando esteve na cidade em 1896, São João Maria plantou uma cruz no alto de um morro. Previu que se um dia ela caísse, o rio Iguaçu subiria de nível e inundaria a cidade. Dias antes das enchentes de julho de 1983, a cruz tombou de lado, sem chegar a cair. Foi o suficiente para que a população realizasse procissões até o morro da Cruz, mas isso não bastou: a chuva engrossou e as águas cobriram a cidade. Só ficaria de fora, segundo a profecia, a residência do coronel Amazonas Marcondes. Era um homem bom e quedaria a salvo. E foi o que aconteceu. A casa ainda existe. Confira abaixo as fotos que fiz da enchente de 1983, quase todas a bordo de um helicóptero da Aeronáutica que atendia os flagelados. E outras imagens. Há também o relato de Cleto da Silva sobre a presença de João Maria em Porto União/União da Vitória - a cidade era uma só, mas foi dividida após o fim da guerra do Contestado.
Porto União, 1896
“[...] passa por União da Vitória o mui falado profeta João Maria1,’São João Maria’, como costumam os sertanejos dizer.
É um ancião de estatura regular, alourado, tendo o sotaque de espanhol.
João Maria diz andar cumprindo uma promessa, pelo que peregrinava há muito tempo, porém que brevemente te-la-á terminado.
Aconselha aos sertanejos que plantem bastante. Não gosta de ser acompanhado por grupos.

Carrega a tiracolo um saco de algodão e, dentro dele, uma barraca pequena e uma panelinha.
Traz consigo um crucifixo e outras pequenas imagens de santos.
Costuma pousar à beira dos caminhos, procurando local de boa água.
Depois que o profeta deixa o pouso, os moradores da vizinhança fazem um cercadinho ao redor da fonte, que se torna dali em diante, para eles milagrosa, pois piamente acreditam ser João Maria um santo.
O profeta não aceita dinheiro: contenta-se quando lhe oferecem alguma verdura, um pedaço de queijo ou um pouco de leite.
Pouco se demora nas comunidades.
Aconselha a que tenha o povo bastante crença em Deus e que trabalhe para desviar as más tentações.
João Maria, pacífico monge, tão popular nos sertões do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Goiás, aconselhou aos moradores de União da Vitória, a que plantassem uma cruz no morro mais alto da cidade, que é o chamado ‘Morro da Cruz’2.
Efetivamente essa cruz (uma grande cruz de madeira) ali colocada há muitos anos; depois outra foi substituída e ainda uma outra de cimento foi naquele morro plantada pela família Savi.
De quando em quando, os devotos galgam o cume do Morro e ali rezam, fazem suas promessas e acendem velas.

Ficou esse profeta consagrado pelos antigos habitantes de União da Vitória, por cuja localidade passou ele várias vezes; mesmo entre pessoas cultas tem o profeta grande veneração.
Lendas se fizeram em torno da personalidade do ‘seu’ João Maria, as mais interessantes e todas cheias de misticismo religioso.
Há quem narre as muitas profecias feitas pelo velho peregrino, algumas das quais, dizem, se realizaram.
Damos o retrato do benquisto monge que, nos garantiram pessoas que o conheceram, ser verdadeiro.
1 Não confundir o profeta João Maria com o célebre ‘monge’ José Maria, do Irani.
2 O morro da Cruz tem a altitude de 943 metros sobre o nível do mar".





Terceiro quadro de 40 - IRANI : BERÇO DO CONTESTADO

IRANI: BERÇO DO CONTESTADO


Durante o período de 1906 a 1916, a Região do Contestado passou por um processo de profundas transformações, que provocaram mudanças econômicas, sociais, culturais, políticas e ambientais. Estas mudanças foram fatores decisivos na deflagração da luta armada desencadeada em 1912, que se estendeu até 1916 e foi denominada de Guerra do Contestado.
A eclosão da Guerra do Contestado é abordada no contexto das transformações ocorridas com a inauguração da ferrovia São Paulo-Rio Grande, que cortou verticalmente a Região do Contestado em 1910, o início das atividades madeireiras e colonizadoras da Southern Brazil Lumber & Colonization Company em 1911 e a conseqüente ocupação das terras para projetos de colonização.
Os antigos moradores da Região do Contestado, muitos dos quais posseiros que ocupavam as terras devolutas que foram concedidas a Brazil Railway Company, revoltaram-se e destruíram estações ferroviárias, queimaram a madeireira da Lumber de Calmon e atacaram os colonos instalados pela Companhia no Rio das Antas. A Guerra do Contestado deixou um saldo de, aproximadamente, 8.000 mortos, a grande maioria, sertanejos pobres que viviam na Região do Contestado.

Um dos principais palcos da Guerra do Contestado, o Município de lrani insere-se numa área que foi disputada, inicialmente por Brasil e Argentina, na questão dos limites entre os dois países e, posteriormente, pelos estados do Paraná e Santa Catarina.

O território começou a ser desbravado em meados do Século passado. As terras de Irani pertenciam ao Município de Palmas PR e em virtude de disputa pelas mesmas ocorreu a Guerra do Contestado entre 1912 e 1916.

Na área, onde hoje situa-se o Município de Irani, foi travada uma das mais famosas batalhas da Guerra do Contestado. O chamado "Combate de Irani",foi o marco inicial de uma série de lutas travadas entre as tropas do Governo Federal e os jagunços, seguidores do messiânico Monge João Maria, considerado o líder espiritual de uma espécie de "Exército Encantado ".

O Município de Irani ainda preserva alguns lugares que serviram de redutos para aqueles que combateram nessa Guerra, que entrou para a história, como o maior conflito social do Brasil, tirando a vida de mais de 10 mil pessoas, entre 1912 e 1916.

O "Cemitério do Irani", um dos marcantes referenciais históricos da Guerra, é um dos locais preservados pelo Município e que chama a atenção dos turistas que o visitam.

Quanto a origem de seu nome, o topônimo originou-se do rio de igual nome que atravessa o município, sendo originário da língua Tupi-guarani e, acredita-se que seja Mel Envelhecido, considerando, que, na referida língua, IRA = MEL e NHI = ENVELHECER.

Mas de acordo com a revista MARES DO SUL DE 1999, originou-se outro nome, sendo este chamado ABELHA ENFURECIDA.

O município de Irani foi criado pela Lei Estadual n 916 de 11/09/63 e instalou-se em 12/01/1964. A economia do Município baseia-se na extração de madeira, fabricação de móveis, cerâmica, na agricultura, no comércio, na pecuária e no turismo.

Seu desenvolvimento maior, porém só começou a se fazer sentir de uns anos pra cá, após o asfaltamento das, BR 153 e BR 282, que se cruzam entre as terras do município. A população urbana vive principalmente do pequeno comércio, extração de erva mate e madeireira.

Segundo quadro de 40 - CHICA PELEGA




HISTÓRIA DA CHICA PELEGA



Conforme Valentini (2000), os pais de Chica vieram do Rio grande do Sul, lá viviam como

peões em fazendas. Fixaram-se próximo à Estação de Limeira, hoje Joaçaba.

Segundo as narrativas populares a história da guerreira está estreitamente ligada aos ‘feitos’ de São João Maria, a menina Francisca Roberta (posteriormente chamada de Chica Pelega) seria

‘querenciada’ pelo monge. A mãe de “Chica” há muito tempo tentava engravidar e por motivos

desconhecidos do casal, não conseguia, até que em certa feita o pai recolhera as cinzas de uma

fogueira que supostamente teria sido deixada por João Maria, Vasconcellos assim descreve o fato:

Um dia e meio de caminhada, ao norte da gleba, havia um oco de pedra onde se dizia haver descansado, por

três noites seguidas, o Monge João Maria. Ali Zinho catou uns restos de carvão, seriam por certo restos da

fogueira do Monge, e ao fim dessa peregrinação de três dias Chiquinha coseu-os em duas trouxinhas de pano,

pendurando-as cada cônjuge no pescoço, como inseparáveis amuletos. Depois disso até as colheitas

melhoraram, ambos trabalhando com maior disposição na fé, e multiplicaram-se com mais fertilidade os

animais de criação. E Chiquinha, inclusive, engravidou. Engravidou sim. Por uma única vez, mas engravidou. Este fato torna-se importante posteriormente para entendermos a relação que foi construída em torno da Chica e do venerado Monge. Desde muito cedo a menina Francisca Roberta teria demonstrado habilidades com as ervas e o cuidado com os animais que eram acreditados e entendidos por todos como dons concedidos pelo monge à sua afilhada. A história trágica e heroica de Chica Pelega inicia como a história de tantos caboclos que foram mortos e expulsos das terras

que acreditavam serem donos. Com a chegada dos jagunços nas terras da família, depois de

retornarem dos trabalhos na roça, Francisca Roberta e a mãe encontraram uma cena brutal, o pai e o tio que vivia com eles estavam mortos em frente a casa e o paiol incendiados. Desesperadas e com medo, as duas foram buscar ajuda na casa da família do futuro noivo de Francisca Roberta, e a alguns quilômetros depararam-se com repetida cena brutal: todos estavam mortos, inclusive seu

futuro noivo. Diante das brutais cenas e revoltadas com o massacre, as duas embrenharam-se nas

matas:

Sem mais lágrimas para verter, amparando-se mutuamente, seguiram adiante apenas com a roupa do corpo, para um destino incerto. E assim perambularam por semanas e meses, nutrindo-se do que havia, já agora na

companhia de tantos outros escorraçados. Francisca Roberta, por aceitação tácita, liderava essa confraria de

errantes. Uma Liderança sequer pleiteada, acontecida ao natural. Ao grupo de estropiados somava-se sempre

um novo membro, ali e acolá, e um desses novos aderentes falou-lhes na ressurreição do Monge o qual, naquele momento, estaria partindo de Campos Novos, para a festa do Senhor Bom Jesus de Taquaruçu, nos limites de Curitibanos. Então Francisca Roberta e o seu grupo errante para Taquaruçu rumaram os passos.

Segundo Valentini (2000) na chegada de Chica Pelega em Taquaruçu ela já assumia papel de

destaque, sendo admirada por todos. Assumira logo responsabilidades no cuidado com os doentes e com as crianças. Demonstrava ter habilidades excepcionais, e com forças reunidas ao monge

reencarnado José Maria, cuidavam dos doentes, crianças e idosos na comunidade Santa de

Taquaruçu. Vasconcellos (2008) descreve que a dedicação de Francisca Roberta em suas tarefas era tanta que vez outra lhe rendia alguns mimos e presentes e foi assim que ganhou de um fazendeiro um cavalo e tempo depois uma espécie de mantilha de lã, felpuda como um pelego. “E vestida com seu manto/pelego e montada a cavalo, diziam que se via a Chica Pelega correndo pelos campos, e o

apelido Chica Pelega ia cada vez mais se esparramando pelos barrancos de São Sebastião: Chica

Pelega Guerreira de São Sebastião” (p.92). Ela transformara-se em sinônimo de força e referência a tantos escorraçados como ela. E já no primeiro ataque a comunidade Santa, a heroína surpreendeu a todos, montada em seu cavalo, empunhando a bandeira branca de cruz verde ao centro, lutando e

dando coragem aos sertanejos.

A atuação de Chica Pelega é ilustrada por Vasconcelos: A Chica chega gritando Viva a

Monarquia! Viva São Sebastião!”.

Eis que ali vinha Chica Pelega, a brava filha da floresta, arremetida, lançando o seu estridente e feroz grito de guerra, dos olhos jorrando-lhe chispas de raio. Em disparada, com o rosto quase colado à crina do cavalo, projetou-se por detrás das forças inimigas agrupadas e aí foi fazendo enorme estrago, golpeando de gume e de

ponta com fúria desconhecida, com brutal energia provinda da fé. Surgia como um anjo da morte, como um demônio sanguinário. Eis aí Chica Pelega, mulher-centauro, a imagem viva de todas as fúrias. Batendo,

atropelando, furando, nutrida por ira santa. 6

Antes da sua morte, a heroína Pelega revelou sua coragem e bravura enfrentando

metralhadoras armada com seu facão e a fúria orientada pela sede de justiça, além das bênçãos do Monge e de São Sebastião.

Chica Pelega, já respeitada em Taquaruçu por seu conhecimento e trato com ervas medicinais fica no reduto

cuidando de doentes, velhos e crianças. Em 1914, as tropas do governo atacam novamente Taquaruçu onde ela

luta bravamente. “Chica Pelega morre quando a igreja, tomada pelo fogo, desaba em cima do galpão onde se encontravam mais de 300 pessoas”.

Vicente Telles8, conhecido como cancioneiro do Contestado, apresenta sua narrativa sobre a

história de Chica Pelega.

Sim, por exemplo, sabe o que é a rasga-mortalha9? Coruja, já ouviu falar e o pio da coruja? Você sabe, esses

dias teve uma mulher aqui e ela contava como a coruja fazia, quando ela piava, fazia a voz, eu tenho aqui a música da Chica Pelega, uma mulher que foi expulsa das estradas de ferro. O pai foi morto. No galpão e na casa colocaram fogo, recolheram as criações para os açougues e ela, quando chegou em casa, notou que o pai

estava morto né, e veja bem qual seria a tua reação dentro de um quadro desse é difícil de avaliar só vivendo. Ela em vez de se deixar abater, se deprimir, ao contrário ela transformou-se em uma guerreira de São

Sebastião, saiu com a mãe atravessando as matas né, porque diz que a noite ela estava lá prostrada no lado do

cadáver, ela e a mãe rezando e choros lancinantes, convulsos, doloridos... Daí elas saíram e transformaram-se

em guerreiras de São Sebastião, então a história dessa moça é Chica Pelega, por que ela usava um pelego pra montar, pra dormir e pra aquecer os afilhados. Era madrinha de toda e qualquer criança, quem viu Chica Pelega

viu chispa de raio clareando os sertões. Quer dizer dos olhos dela saiu [raio]... era uma guerreira, o olhar dela

já era a guerra, quem viu Chica Pelega viu rasga-mortalha, pia nos sertão. Rasga-mortalha pia nos sertão isso é

a superstição do caboclo, quando a coruja grita à noite alguma coisa de ruim vai acontecer. Quem via Chica Pelega era a mesma coisa de ouvir a rasga-mortalha, por que ela estava aí para a briga, quem viu Chica Pelega

viu fogo no céu e viu sangue no chão, era guerra depois da morte dela, então começou a superstição aquela

crença na volta dela. A noite clareou, os afilhados, as comadres falavam com a comadre Chica, de noite ela

 Telles é autor de várias letras de música sobre Chica Pelega.

A rasga-mortalha, a exemplo da coruja, é ave noturna. Quando perturbada durante o dia, emite um sibilo rápido e

agudo. Quando voa, emite um ruído forte, a exemplo de um pano rasgado, daí o nome rasga-mortalha. No escuro, o

ventre e cara branca destacam-se quando iluminados.

apareceu, a mão estendida acariciando o afilhado dela, entendeu aquela coisa de ela vai voltar, a crença de que

o monge iria ressuscitar, tinha jagunço que chegava ver os cavalos de fogo de São Sebastião descendo pra

sempre ajudar para o combate, outros que depois da morte de Zé Maria viram montado num cavalo branco, ele

sumindo para o céu, isso já era uma coisa de exaltação mística, mas isso foi muito forte sempre existiu.10

A história de Chica Pelega é caracterizada por sucessivas perdas, o pai, o noivo e a

propriedade. Seu pelego parece ter sido o que lhe restou no plano material. Revoltou-se com as

injustiças e torna-se a guerreira de São Sebastião. A vida só tinha sentido se fosse para lutar contra

todas as injustiças sofridas e pelos seus. Segundo Vasconcellos:

Chica Pelega representa mais que tudo, um emblema de luta, e nesse recado se alicerça a sua maior

importância. O sonho da implantação de um Império Caboclo na região do Contestado assenta-se

principalmente no grito em favor do direito à terra, encontrando no messianismo desesperado agasalho. Chica

Pelega, independentemente da sua existência física, significa a indignada síntese de uma coletividade

injustiçada. Porque Chica Pelega é algo no Plural.

Segundo as narrativas da população cabocla, Chica convidava homens e mulheres para a

luta, sua coragem era expressa no modo de organizar o grupo para a guerra, conforme a letra da

música:

Quem viu CHICA PELEGA/ viu Chispa de raio clareando no sertão,

Crente na fala do monge,/ CHICA PELEGA bradou, monte comadre,

Traga o afilhado que o tempo de briga é chegado.

/: QUE O TEMPO DE BRIGA É CHEGADO

NA CIDADE SANTA DE TAQUARUÇU:/

Quem viu CHICA PELEGA, / viu fogo no céu e sangue no chão,

Crente na fala do monge, /CHICA PELEGA bradou, monte comadre,

Traga o facão, que é pra defender nosso chão.

/: QUE É PRA DEFENDER NOSSO CHÃO

NA CIDADE SANTA DE TAQUARUÇU

Quem viu CHICA PELEGA,/ viu rasga mortalha piar no sertão,

Crente na fala do monge, /CHICA PELEGA gemeu, monte comadre

Que importa a morte se o amor que vier for mais forte.

:/SE O AMOR QUE VIER FOR MAIS FORTE

NA CIDADE SANTA DE TAQUARUÇU:/

Lá vem CHICA PELEGA, vem feito visage ao luar do sertão,

Vem a cavalo no tempo, na voz do vento a bradar,/ monte comadre

São Sebastião vem vindo salvar o sertão.

:/VEM VINDO SALVAR O SERTÃO

NA CIDADE SANTA DE TAQUARUÇU:/11

As músicas de luta transformaram-se na principal forma de divulgação da história da

10 Acervo do CEOM - Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina. Projeto “Inventário da cultura Imaterial Luso

Brasileiro no Oeste de Santa Catarina”.

guerreira, no Oeste Catarinense são divulgadas através de obras de cunho religioso como “O povo

canta sua Vida” distribuída pelo Secretariado Diocesano de Pastoral. Em cidades como Chapecó, a menção à Chica Pelega está diretamente relacionada aos cânticos que são entoados durante Romarias e caminhadas pela Terra comuns nas comunidades caboclas do interior. Assim como São

João Maria, Chica Pelega é transformada através das narrativas populares em um ícone que representa um modelo de conduta e luta de grupos subalternos.

Em Chapecó, na Linha Almeida, o Padre Zé, reconhecido por valorizar e incentivar a cultura cabocla fala sobre o livro da Diocese que apresenta músicas da Chica Pelega.

É, esse Livro, nós usávamos mais em dia de celebração, assim de tipo caminhada, romaria. Romaria da terra,

né, eles usavam muito. Porque ali nessa história do Contestado essa Chica Pelega, foi ela quem liderou [...]

Fizeram essa música, mas é aqui nessa região do Contestado, né teve uma Romaria em, como é que é,

Taquaruçu, acho que é. É a música fala no Taquaruçu!

Tinha uns guri, aqui, que cantavam, é claro, a gente não usa esse canto na liturgia, sabe né, é só um canto de

Luta, de movimento. Os movimentos sociais usam muito, os sem terra usam muito. 12

Conforme Renk e Savoldi (2009), a presença de “São João Maria” é recorrente nas

narrativas das populações caboclas no Oeste Catarinense. A presença não remete apenas ao passado,

muitos entrevistados alegam vê-lo no presente. O imaginário não se refere apenas a uma história

que foi alimentando a memória do grupo, a história do “São João Maria” continua sendo atualizada

em consonância com as experiências vividas. As aparições e interlocuções no cotidiano são narradas

de modo a legitimar a existência do mesmo. Concebemos imaginário social com base na concepção

de Baczko (1985) como uma produção coletiva sobre as relações imagéticas de distintos grupos.

Nesse sentido “o imaginário social é cada vez menos considerado como uma espécie de ornamento

de uma vida material considerada como a única ‘real’.” (BACZKO, 1985, p.297).

De acordo com a Narrativa de Vicente Telles há a crença de que Chica Pelega possa aparecer

quando o contexto for conflituoso, como herdeira de João Maria, também lhe atribuem a

possibilidade de volta para auxiliar nos conflitos do cotidiano. A coruja é o sinal da aparição, ou

melhor, o grito da coruja.

Apresentamos a trajetória de Francisca Roberta, Chica Pelega de Limeira a Taquaruçu. À

medida que avança em direção aos redutos aumenta a sua canonização popular, a exemplo do tratado por Oscar Saéz (1996). Neste texto, seja ou não ficcionalizada a vida da heroína, o que nos interessa foi a reconversão de “jagunça” por alguns segmentos envolvidos no Contestado e

transformada, emblematicamente, como no rol das mulheres destemidas e que assumem a luta.

Entre a certeza e incerteza da realidade da existência física, em seu torno giram romances, a

12 Entrevista realizada por Josiane Geroldi.

indústria fonográfica e ações do clero católico progressista. Chica Pelega torna-se presente nas vozes que entoam e nos ensinamentos diários, nas histórias ouvidas e naquelas contadas. Outro

aspecto é o papel desempenhado pelas mulheres por ocasião do Contestado. Tratava-se sociedade

androcêntrica com reduzido espaço às mulheres. Recuperar a história é uma forma de muitas

mulheres lutarem pelo empoderamento e constituírem-se em sujeitos da história.

Primeiro de 40 - O Segundo Monge


João Maria de Jesus

O segundo monge, João Maria de Jesus, surgiu também misteriosamente, no Paraná e Santa Catarina, tendo vivido entre os anos de 1886 e 1908, havendo, na ocasião, uma identificação com o primeiro, de quem utilizava os mesmos métodos, com curas por ervas, conselhos e água de fontes.

Acredita-se que seu verdadeiro nome é Atanás Marcaf. Em 1897, diria: "Eu nasci no mar, criei-me em Buenos Aires e faz onze anos que tive um sonho, percebendo nele claramente que devia caminhar pelo mundo durante quatorze anos, sem comer carne nas quartas-feiras, sextas-feiras e sábados, sem pousar na casa de outros. Vi-o claramente[1]".
Há controvérsias sobre seu desaparecimento, segundo alguns historiadores, ocorrido por volta de 1900, e segundo outros por volta de 1907 ou 1908. A semelhança entre os dois primeiros monges é tão grande que o povo os considerava um só. Num dos seus retratos da época há a legenda “João Maria de Jesus, profeta com 188 anos[2]