sábado, 4 de agosto de 2012

Trigesimo Oitavo Quadro de Quarenta - CHICA PELEGA E OS DOZE PARES DA FRANÇA

Nome do quadro: CHICA PELEGA E SEU EXÉRCITO “DOZE PARES DA FRANÇA” Durante os quatro anos que durou a Guerra do Contestado morreram cerca de 20 mil pessoas - equivalente a um terço da população de Santa Catarina, à época. E também milhares de militares. O movimento revoltoso teve, ao longo desses anos, várias lideranças que comandaram com êxito muitos combates e ofensivas. Entre eles Venuto Baiano, Chico Ventura, Aleixo Gonçalves, Antonio Tavares, Adeodato Ramos, Bonifácio Papudo e Alemãozinho (que traiu o movimento). Atuavam sob a forma de guerrilha, conseguiam infiltrar espiões regularmente - os bombeiros - nas forças que os combatiam, lutavam com revólveres, espingardas e no corpo a corpo com facões de pau feitos de madeira duríssima da região. Apoiados numa forte crença de ressurreição e retorno nos exércitos encantados de São Sebastião, eram ferozes e destemidos em combate. Conseguiram forças para uma resistência inédita na história e só foram subjugados pela fome e extermínio sistemático nos redutos invadidos com a degola dos prisioneiros. Tinham um confuso discurso de fundar uma monarquia, na verdade um sonho de voltar aos tempos em que a vida havia sido mais digna e generosa. Voltemos ao passado. Em 1912, mês de outubro, um destacamento da Força Pública do Paraná desloca-se de Curitiba para a pequena cidade de Palmas, no sul do estado, ponto de entrada da região àquela época disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná. O objetivo era atacar um grupo de "fanáticos" reunidos em torno de um homem, o monge José Maria, que, segundo se dizia, havia proclamado a "restauração da monarquia". Os "fanáticos", reunidos em torno do monge, reagiram ao ataque policial e assistiu-se a uma sangrenta luta entre sertanejos e soldados. Com essa batalha, teve início a "Guerra do Contestado", que sacudiu aqueles sertões até 1916. "[...] era certo que José Maria levava consigo a História de Carlos Magno e dos Doze Pares de França e nas horas de folga fazia a leitura de capítulos aos que o seguiam [...]. Nos sertões do Contestado, àquela época, era comum a existência, mesmo longe das vilas, de uma velha edição dessa história. Um repórter observou que entre os raros sertanejos alfabetizados 'o livro predileto é uma maravilhosa História de Carlos Magno que entusiasma e alucina o seu espírito primitivo com aventuras extraordinárias de heróis invencíveis, homens que sozinhos atacam e derrotam exércitos aguerridos'. Ignora-se de que maneira José Maria comentava as façanhas dos cavaleiros da Távola Redonda, mas - como irão confirmar os episódios subsequentes - essa literatura que exaltava a coragem pessoal, a luta contra os 'infiéis' e a fraternidade entre os campeões, marcaria diretamente os acontecimentos". Desde Caraguatá, os pares de França constituíram sempre um piquete de elite, especializado no manejo de 'arma branca', pronto a intervir corpo-a-corpo no momento decisivo dos combates. [...] Os pares de França, como piquete permanente de elite, foram sempre integrados por vinte e quatro homens, inclusive o seu comandante próprio, mas exclusive o tamboreiro. Eram armados de garrucha e facão, que sempre constituíram, antes mesmo do movimento, as armas dos pobres. [...] Os pares de França se escolhiam entre os mais ágeis, os mais destros e os mais habilidosos no manejo do facão. Eram geralmente antigos praticantes do cortejo, uma espécie de esporte ou esgrima popular em que muitos sertanejos se exercitavam em todo momento de folga. O cortejo ou esgrima a facão requeria grande habilidade. 'Isto sim - diziam os caboclos - requeria coragem; não era máquina, como o revólver'" (Queiroz, 1981, p. 185). Curioso notar que os Doze Pares de França das histórias de Carlos Magno são doze cavalheiros, pares entre si, ou seja, iguais, da mesma espécie, semelhantes. Segundo o dicionário Petit Robert, "par", no período feudal, "se dizia de vassalos que tinham o mesmo sangue com relação ao suserano" (Robert, 1978, p. 1.341). Na irmandade do Contestado, os doze pares são 24. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1993-94, p. 36) chega a afirmar que seriam 26. De qualquer modo, o termo "par" passa a ser concebido pelos sertanejos na sua acepção mais usual, a de dupla. Assim sendo, as histórias de Carlos Magno, embora tenham origem histórica, tornaram-se criações lendárias que acabam por não dever quase nada aos acontecimentos históricos propriamente ditos. Como bem aponta Carpeaux (1978, p. 139), "a intervenção de Carlos Magno e dos seus 'pares' naquela luta (as lendas da guerra da Igreja Católica contra os infiéis, nos caminhos da romaria para Santiago de Compostela) introduziu extensa matéria de outra proveniência, lembranças de guerras feudais francesas, na própria França e em todo o mundo; tradições germânicas, pedaços do ciclo bretão e lembranças das Cruzadas contribuíram também para a elaboração de numerosas gestas em torno da 'geste de Charlemagne'".

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